Manicure que trabalhava para plataforma de serviços de beleza tem vínculo de emprego reconhecido
Uma manicure que trabalhava para uma plataforma digital de serviços de beleza teve o vínculo de emprego reconhecido. A decisão é da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), mantendo a sentença da juíza Anne Schwanz Sparremberger, da 28ª Vara do Trabalho de Porto Alegre.
A reclamante relata que trabalhou para plataforma digital por dois anos como manicure e pedicure, em média seis dias por semana. E que após esse período, antes do seu desligamento, teve seu acesso ao aplicativo suspenso, em razão de ter recebido avaliação baixa por parte de uma cliente. Sustenta que a empresa estava formalizando um novo tipo de contrato com suas funcionárias e, por ser da chamada “leva contratual antiga”, teve seu contrato encerrado por motivos de “baixa avaliação”. Alega que a dispensa ocorreu sem justa causa, sem o recebimento das verbas rescisórias.
Em sua defesa, a empresa sustenta que a trabalhadora sempre foi uma prestadora de serviços autônoma, que se utilizou da plataforma de intermediação para prestar serviços de manicure e pedicure para suas clientes. Diz que o trabalho decorreu da relação comercial mantida entre as partes. Alega que que não havia todos os elementos essenciais ao contrato para caracterizar o vínculo: trabalho prestado por pessoa física, pessoalidade, trabalho não eventual, onerosidade e subordinação.
Na sentença, a juíza Anne Schwanz Sparremberger, da 28ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, reconheceu o vínculo de emprego por um ano e meio, relatando que os elementos essenciais estavam caracterizados.
“Com relação à contraprestação recebida, deverá ser observada a média dos valores recebidos pela autora (…), a ser apurada em liquidação. Isto posto, e somado à presunção favorável ao empregado em razão do princípio da continuidade do vínculo empregatício (Súmula 212 do TST), reconheço que a dispensa ocorreu de forma imotivada, sem justa causa da autora”, decidiu a juíza.
A magistrada determinou o pagamento das seguintes parcelas trabalhistas: aviso-prévio, 13º salário, férias acrescidas do 1/3 constitucional, depósitos de FGTS com acréscimo de 40% referente a todo o período trabalhado, multa do art. 477 da CLT, anotação do contrato de trabalho na CTPS da autora e salário a ser fixado em liquidação a partir da média dos valores recebidos pela autora.
Também foi deferido o pagamento de dano moral à trabalhadora, no valor de R$ 4 mil, pelo fato de ter ficado um ano e meio sem vínculo de emprego firmado.
As partes ingressaram com recursos ordinários junto ao TRT-4. A trabalhadora defendendo o vínculo por dois anos e não por um ano e meio. E a empresa contestando o vínculo de emprego e o dano moral.
Em relação ao vínculo de emprego, a relatora do acórdão, desembargadora Beatriz Renck, manteve a decisão de primeiro grau. A magistrada aponta que os elementos essenciais desse tipo de contrato estavam caracterizados. Sobre a pessoalidade, por exemplo, afirma:
“A pessoalidade está presente, porque a autora precisava cadastrar-se e atender a determinados requisitos, o que inibia sua substituição por terceira pessoa dentro do seu cadastro. É certo que o cadastro somente podia ser utilizado pela autora”, destaca Beatriz.
Competência da Justiça do Trabalho
A empresa sustentou, no recurso, que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem cassado decisões da Justiça do Trabalho que reconhecem vínculo de emprego entre trabalhador autônomo e plataformas digitais de intermediação de serviços, em virtude de posicionamento sedimentado na Corte quanto à possibilidade de contratos distintos da relação de emprego regida pela CLT.
Porém, em seu voto, a desembargadora Beatriz apontou que a competência da Justiça do Trabalho prevista no art. 114 da Constituição Federal abrange as ações oriundas da relação de trabalho e outras controvérsias decorrentes dessa relação (incisos I e IX). “Com efeito, é da Justiça do Trabalho a competência material para examinar demanda que visa ao reconhecimento da relação de emprego, como é o caso dos autos”, afirmou.
Para a magistrada, quando há alegação de exercício abusivo da contratação com a intenção de fraudar a existência de vínculo empregatício e os direitos trabalhistas, como no caso em questão, não há como afastar a competência da Justiça do Trabalho. “Entender pela incompetência da Justiça do Trabalho, além de implicar em um descarte da possibilidade de se admitir a formação de vínculo, importa em proceder a tanto sob o único fundamento de que a atividade contratada via plataforma tem natureza indiscutivelmente comercial, mesmo que a ocorrência de fraude esteja sendo alegada”, sublinhou.
A decisão foi unânime na 6ª Turma. Também participaram do julgamento os desembargadores Maria Cristina Schaan Ferreira e Fernando Luiz de Moura Cassal.
Cabe recurso da decisão ao Tribunal Superior do Trabalho (TST).